Relatório CUF Oncologia 2018-2019

E como passou da tuberculose para o cancro do pulmão? Sempre sonhei tratar o cancro. Lembro-me de ter 6 anos e de dizer às minhas amigas: “Quando crescer, vou ser médica e tratar o cancro.”Eu sou alentejana, de Grândola, havia muitos casos na vila e eu via as pessoas a morrerem muito rapidamente. Depois entusiasmei-me com a Pediatria, mas optei pela especialidade de Pneumologia. Embora durante os meus cinco anos de internato tenha efetuado toda a minha formação específica geral, que foi da tuberculose, passando por todas as patologias do foro respiratório até ao cancro do pulmão, não foi suficiente. Foi após o final da especialidade que surgiu o projeto da Unidade de Pneumologia Oncologia no Serviço de Pneumologia de Vila Nova de Gaia, porque me apercebi que era uma área em que se fazia ainda muito pouco. Qualquer médico faz o curso para curar e não para ajudar a morrer. E eu via que os meus doentes morriam todos tão cedo que era preciso avançar com qualquer coisa. Na altura não havia grandes desenvolvimentos na área do pulmão, os tratamentos ainda eram só com quimioterapia, com sobrevidas muito curtas. Acabei a minha especialidade e fiz a proposta ao Diretor do Departamento de Pneumologia de Vila Nova de Gaia para que se criasse uma unidade funcional de Pneumologia Oncológica. Isto foi em 1991. Um dia disse ao diretor de serviço: “Mas autoriza ou não que eu abra a Unidade de Pneumologia Oncológica?” E ele, cansado de me ouvir, disse que sim. Era uma sexta-feira e pedi às auxiliares do serviço que me ajudassem a arrumar “a casa”: tirámos tudo de três gabinetes que não estavam a ser utilizados e pus cá fora um letreiro a dizer “Pneumologia Oncológica”. Arrumámos a sala de espera e arranjámos cadeiras para os doentes esperarem. Na segunda-feira o meu diretor de serviço disse: “Bárbara, pintou a manta! Pôs uma unidade a funcionar num fim de semana.” Comecei assim, a partir pedra do zero, com zero doentes. Depois divulguei junto dos centros de saúde, os colegas do hospital foram sabendo e as coisas foram evoluindo. Como surgiu o seu interesse pela área da Pneumologia? Quando fiz o curso de Medicina queria ser pediatra. Durante os dois anos de prática clínica tentei fazer de tudo um pouco. Só não tratei doentes com tuberculose. Mas, no âmbito do Serviço Médico a Periferia, cheguei a Santa Maria da Feira e perguntaram-me se queria ir trabalhar para o Dispensário de Tuberculose. Entrei no Centro de Saúde e pedi para falar com o médico responsável – responderam-me que tinha 35 doentes à espera para tratar, porque o outro médico tinha saído na semana anterior. Fiquei aterrorizada! Eu não sabia nada de tuberculose, mas enchi-me de coragem e vi os doentes todos: os que estavam a fazer tratamentos continuavam, e se era a primeira consulta pedia exames. Saí de lá em pânico e vim para os Dispensários Conde de Lumbrales, no Porto, para aprender. O Dr. Joaquim Castedo e o Dr. António Cabral foram os meus mestres e começaram a dizer-me: “Se você tem tanto jeito para Pneumologia, porque é que há de ir para Pediatria?!” Quando terminei esse ano, decidi que queria ser pneumologista e escolhi o Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia, que era o hospital de tradição pneumológica. Foi então que surgiu o interesse pelos ensaios clínicos? Nem lhe digo como! Início da década de 1990. Muitas dúvidas sobre qual o melhor esquema de tratamento. Pedi a uma colega que percebia de informática que fizesse dois braços de doentes, o A e o B, cada um com

“Lembro-me de ter 6 anos e de dizer às minhas amigas: ‘Quando crescer, vou ser médica e tratar o cancro’.” um esquema de quimioterapia. Com o Hospital de São João e o Hospital dos Covões (todos juntos íamos ter resultados mais rapidamente), começámos a aleatorizar os doentes para perceber que esquema de quimioterapia seria melhor. Entretanto, o serviço foi crescendo, evoluiu e ficou reconhecido. Mais tarde, foi feito o hospital de dia, mesmo em frente da Unidade, onde os doentes eram avaliados. Nenhum doente era visto sem primeiro ser avaliado. Entretanto os tratamentos também foram evoluindo. Só por volta de 2006 é que começámos a ter terapêuticas inovadoras. Mas tem sido apaixonante, porque ao longo da minha carreira as coisas têm-se modificado muito na área da Oncologia. Quando pedi a minha reforma do setor público, pensei: “Agora que me vou embora estão a aparecer fármacos inovadores.” Foi nessa altura que veio para a CUF Porto? Tive este convite da José de Mello Saúde e aceitei com muito gosto. Quando cheguei, usei aqui a mesma metodologia que trazia do Hospital de Gaia. Em 2017 lançou a reunião científica da CUF Atualizações em Cancro do Pulmão. Esta é uma área em que as mudanças surgem rapidamente? Exatamente. Em 2014 já havia muita terapêutica inovadora e eu achava que era necessário fazermos todos os anos uma reunião para poder divulgar e comunicar com outros colegas de outros hospitais.

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